CONTOS ESPÍRITAS
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A MULTA MAIOR
O recinto do Tribunal estava lotado, não tanto pela importância dos crimes que seriam julgados, mas pela presença do prefeito de Nova York, La Guardia, que costumava, nessas ocasiões, sentenciar casos policiais simples, com decisões que ficavam famosas pelo seu conteúdo de sabedoria e originalidade.
Um dos acusados fora pilhado em flagrante, roubando pão em movimentada padaria. O homem inspirava compaixão: muito magro, barba por fazer, roupas em desalinho – era a própria imagem da miséria!…
La Guardia submeteu-o, solene, ao interrogatório, consultou as testemunhas e, após rápida apreciação, considerou-o culpado, aplicando-lhe a multa de cinqüenta dólares. A alternativa seria a prisão…
Em seguida, dirigindo-se à pequena multidão que acompanhava, atenta o julgamento, disse, peremptório:
- Quanto aos presentes, estão todos condenados a pagar meio dólar cada um, importância que servirá para liquidar o débito do réu, restituindo-lhe a liberdade.
E ante a estupefação geral, acentuou:
- Estão multados por viverem numa cidade onde um homem é obrigado a roubar pão para matar a fome!…
Todos nós, habitantes de qualquer cidade do Mundo, estamos sujeitos a uma multa muito mais severa, a uma sanção muito mais grave – a frustração dos anseios de Felicidade, os desajustes intermináveis, as crises de angústia – por vivermos num planeta onde as palavras fraternidade, bondade, solidariedade, são enunciadas como virtudes raras, quando são apenas elementares deveres, indispensáveis à preservação do equilíbrio em qualquer comunidade.
Dizem os Espíritos Superiores que a Felicidade do Céu é socorrer a infelicidade da Terra. Diríamos que somente na medida em que estivermos dispostos a socorrer a infelicidade da Terra é que estaremos a caminho da Felicidade do Céu.
Não há alternativa. Podemos nos isolar da multidão aflita e sofredora, mas jamais estaremos bem, porquanto a infelicidade é o clima crônico dos que se fecham em si mesmos.
Mãos servindo são antenas que estendemos para a sintonia com as fontes da Vida e a captação das Bênçãos de Deus!
Richard Simonetti do Livro: Atravessando a Rua
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O VASO
Um velho oleiro, muito dedicado ao trabalho, certa feita, adoeceu gravemente e entrou a passar enormes necessidades.
Os parentes, aos quais ele mais servira, moravam em regiões distantes e pareciam haver perdido a memória…
Sem ninguém que o auxiliasse, passou a viver da caridade pública, mas, quando esmolava, caiu na via pública e quebrou uma das pernas, sendo obrigado a recolher-se à cama, por longo tempo.
Chorando, amargurado, fez uma prece e rogou a Deus alguma consolação para os seus males.
Então, dormiu e sonhou que um anjo lhe apareceu, trazendo a resposta pedida.
O mensageiro do Céu conduziu-o até o antigo forno em que trabalhava, e, mostrando-lhe alguns formosos vasos de sua produção, perguntou:
- Como é que você conseguiu realizar trabalhos assim tão perfeitos?
O oleiro, orgulhoso de sua obra, informou:
- Usando o fogo com muito cuidado e com muito carinho, no serviço da perfeição. Alguns vasos voltaram ao calor intenso duas ou três vezes.
- E sem fogo você realizaria a sua tarefa? – indagou, ainda, o emissário.
- Nunca! – respondeu o velho, certo do que afirmava.
- Assim também – esclareceu o anjo bondoso -, o sofrimento e a luta são as chamas invisíveis que Nosso Pai Celestial criou para o embelezamento de nossas almas que, um dia, serão vasos sublimes e perfeitos para o serviço do Céu.
Nesse instante, o doente acordou, compreendeu a Vontade Divina e rendeu graças a Deus.
Chico Xavier (médium)
Meimei (espírito) Livro: Idéias e Ilustrações
Meimei (espírito) Livro: Idéias e Ilustrações
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A SALVAÇÃO INESPERADA
Num país europeu, certa tarde, muito chuvosa, um maquinista, cheio de fé em Deus, começando a acionar a locomotiva com o trem repleto de passageiros para longa viagem, fixou o céu escuro e repetiu, com sentimento a oração dominical.
O comboio percorreu léguas e léguas, dentro das trevas densas, quando, alta noite, ele viu, a luz do farol aceso, alguns sinais que lhe pareceram feitos pela sombra de dois braços angustiados a lhe pedirem socorro.
Emocionado, fez o trem parar, de repente, e, seguido de muitos viajantes, correu pelos trilhos de ferro, procurando verificar se estavam
ameaçados de algum perigo.
ameaçados de algum perigo.
Depois de alguns passos, foram surpreendidos por gigantesca inundação que, invadindo a terra com violência, destruíra a ponte que o comboio deveria atravessar.
O trem fora salvo, milagrosamente.
Tomados de infinita alegria, o maquinista e os viajores procuraram a pessoa que lhes fornecera o aviso salvador, mas ninguém aparecia. Intrigados, continuaram na busca, quando encontraram no chão um grande morcego agonizante. O enorme voador batera as asas, á frente do farol, em forma de dois braços agitados, e caíra sob as engrenagens. O maquinista retirou-o com cuidado e carinho, mostrou-o aos passageiros assombrados e contou como orara, ardentemente, invocando a proteção de Deus, antes de partir. E, ali mesmo, ajoelhou-se, ante o morcego que acabava antes de morrer, exclamando em alta voz:
Pai Nosso, que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu: o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores, não nos deixes cair em tentação e livra-nos do mal, porque teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Assim seja.
Quando acabou de orar, grande quietude reinava na paisagem.Todos os passageiros, crentes e descrentes, estavam ajoelhados, repetindo a prece com amoroso respeito. Alguns choravam de emoção e reconhecimento, agradecendo ao Pai Celestial, que lhes salvara a vida, por intermédio de um animal que infunde tanto pavor às criaturas humanas. E até a chuva parara de cair, como se o céu silencioso estivesse igualmente acompanhado acompanhando a sublime oração.
Meimei
Fonte: O Mensageiro
Fonte: O Mensageiro
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PACIÊNCIA
O caminhoneiro solitário seguia, com fome, à margem do rio.
Nervoso e impaciente, ia censurando a tudo e a todos, por achar-se em penúria.
Caminhava devagar, quando viu algo na estrada chamando-lhe a atenção.
Uma cédula!
Abaixou-se e colheu o achado.
Uma nota de cem cruzados, enrolada e manchada.
Contudo, para surpresa sua, era somente a metade da cédula, que apesar de nova, fora inexplicavelmente cortada.
Ainda mais irritado, amarfanhou o papel valioso e atirou-o à correnteza do rio, blasfemando.
Deu mais alguns passos à frente, seguindo pela mesma estrada, quando surpreendeu outro fragmento de papel no solo.
Inclinou-se de novo e apanhou-o.
Era a outra metade da cédula que, enervado e contrafeito, havia projetado nas águas.
O vento separara as duas partes; ele, porém, não tivera a paciência de esperar alguns segundos, apenas.
Há sempre socorro às nossas necessidades.
No entanto, até para receber o auxílio da Divina Bondade ninguém prescinde de calma e da paciência.
Waldo Vieira (médium)
Valérium (espírito)
Valérium (espírito)
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VERDUGO E VÍTIMA
O rio transbordava.
Aqui e ali, na crista espumosa da corrente pesada, boiavam animais mortos ou deslizavam toras e ramarias.Vazantes em torno davam expansão ao crescente lençol de massa barrenta.
Famílias inteiras abandonavam casebres, sob a chuva, carregando aves espantadiças, quando não estivessem puxando algum cavalo magro.
Quirino, o jovem barqueiro, que vinte e seis anos de sol no sertão haviam enrijado de todo, ruminava plano sinistro.
Não longe, em casinhola fortificada, vivia Licurgo, conhecido usuário das redondezas.
Todos o sabiam proprietário de pequena fortuna a que montava guarda vigilante.
Ninguém, no entanto, poderia avaliar-lhe a extensão, porque, sozinho envelhecera e sozinho atendia às próprias necessidades.
- “O velho – dizia Quirino de si para consigo – será atingido na certa. É a primeira vez que surge uma cheia como esta. Agarrado aos próprios haveres, será levado de roldão… E se as águas devem acabar com tudo, porque não me beneficiar? O homem já passou dos setenta… Morrerá a qualquer hora. Se não for hoje, será amanhã, depois de amanhã… E o dinheiro guardado? Não poderia servir para mim, que estou moço e com pleno direito ao futuro?…”
O aguaceiro caía sempre, na tarde fria.
O rapaz, hesitante, bateu à porta da choupana molhada.
- “Seu” Licurgo! “Seu” Licurgo!…
E, ante o rosto assombrado do velhinho que assomara à janela, informou:
- Se o senhor não quer morrer, não demore. Mais um pouco de tempo e as águas chegarão.
Todos os vizinhos já se foram…
Não, não… – resmungou o proprietário -, moro aqui há muitos anos. Tenho confiança em Deus e no rio… Não sairei.
- Venho fazer-lhe um favor…
- Agradeço, mas não sairei.
Tomado de criminoso impulso, o barqueiro empurrou a porta mal fechada e avançou sobre o velho, que procurou em vão reagir.
- Não me mate assassino!
A voz rouquenha, contudo, silenciou nos dedos robustos do jovem.
Quirino largou para um lado o corpo amolecido, como traste inútil, arrebatou pequeno molho de chaves do grande cinto e, em seguida, varejou todos os escaninhos…
Gavetas abertas mostravam cédulas mofadas, moedas antigas e diamantes, sobretudo diamantes.
Enceguecido de ambição, o moço recolhe quanto acha.
A noite chuvosa descerra completa…
Quirino toma os despojos da vítima num cobertor e, em minutos breves, o cadáver mergulha no rio.
Logo após, volta à casa despovoada, recompõe o ambiente e afasta-se, enfim, carregando a fortuna.
Passado algum tempo, o homicida não vê que uma sombra se lhe esgueira à retaguarda.
É o Espírito de Licurgo, que acompanha o tesouro.
Pressionado pelo remorso, o barqueiro abandona a região e instala-se em grande cidade, com pequena casa comercial, e casa-se, procurando esquecer o próprio arrependimento, mas recebe o velho Licurgo, reencarnado, por seu primeiro filho…
Contos Desta e Doutra Vida
(psicografia Chico Xavier – espírito Humberto de Campos)
PORQUÊ?
Enquanto o ônibus deslizava de Nova Iorque para Miami, Adolph Hunt, proprietário de extensos pomares na Flórida, dizia para o companheiro de poltrona.
– Imagine você, Fred, que andam veiculando por aí supostos recados do Espírito de meu pai, falando em virtude e regeneração… Aperfeiçoamento é negócio de tempo. Hoje em dia, qualquer menino sabe o que vem a ser evolução… Ora, se ninguém pode trair a obra gradativa do progresso, para que essa máquina aparatosa de Espíritos e médiuns, fenômenos e mensagens que o Espiritismo pretende acionar, no mundo, em nome de Deus e de imaginários Mensageiros Divinos? Pode você dizer-me o que Deus tem lá com isso? Ou, ainda, que têm conosco os chamados Amigos Espirituais?
O interlocutor, encorajado pela atenção de outros ouvintes, gargalhava irônico e chancelava:
– Eu também creio assim… Estamos com Deus ou com a evolução…
Mediunidade é balela. Nem Deus e nem Espíritos interferirão com as leis da vida…
A conversa alongou-se, nesse tom, quando Adolph, chegado ao ponto de destino, veio a saber por um amigo que a sua maior estância havia sido varrida por violento furacão…
De pronto, valeu-se do automóvel e tocou para o sítio indicado e oh desolação! Centenas de árvores frutíferas, notadamente as laranjeiras de classe, jaziam mutiladas ou retorcidas, exigindo cuidados imediatos.
Terrivelmente surpreendido, ele, que acima de tudo amava o enorme pomar, convocou os filhos ausentes e os empregados de sua organização a trabalho reparador e, durante quatro dias compridos, nos quais ele próprio não descansou, a enorme chácara recebeu socorro e restauração.
Na quinta noite, após o desastre, quando pôde enfim entregar-se ao repouso, sonhou com o pai, a dizer-lhe com benevolente sorriso:
– Meu filho, se você, meus netos e os nossos cooperadores de serviço, imperfeitos como ainda são, se empenharam, com tanto carinho, pela salvação de um laranjal, porque negar a Deus, nosso Pai de Infinito Amor e aos Bons Espíritos, nossos Irmãos Maiores, o direito de se interessarem pela melhoria da Humanidade?
Adolph Hunt, retomou o corpo físico e prosseguiu escutando a voz paterna a se lhe entranhar na acústica da alma:
– Porquê? Porquê, meu filho?
Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras
Hilário Silva (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras
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AS ROSAS DO INFINITO
Em deslumbrante paisagem da Esfera superior, diversos mensageiros se congregavam em curioso certame. Procediam de lugares diversos e traziam flores para importante aferição de mérito.
Na praça enorme, pavimentada de substância semelhante ao jade, colunas multicores exibiam guirlandas de soberana beleza.
Rosas de todos os feitios e cravos soberbos, gerânios e glicínias, lírios e açucenas, miosótis e crisântemos exaltavam a Sabedoria do Criador em festa espetacular de cores e perfumes.
Envergando túnicas resplendentes, servidores espirituais iam a vinham, à espera dos juizes angélicos.
A exposição singular destinava-se à verificação da existência de luz divina, nos múltiplos exemplares que aí se alinhavam, salientando-se que os espécimes com maior teor de claridade celeste seriam conduzidos ao Trono do Eterno, como preito de amor e reconhecimento dos trabalhadores do bem.
Os julgadores não se fizeram esperados.
Quando a expectação geral se mostrava adiantada, três emissários da Majestade Sublime atravessaram as portas de dourada filigrana e, depois das saudações afetuosas, iniciaram o trabalho que lhes competia. Aquele que detinha mais elevada posição hierárquica trazia nas mãos uma toalha de linho translúcido, o único apetrecho que certamente utilizaria na tarefa de análise das preciosidades expostas.
Cada ramo era seguido de pequena comissão representativa do serviço espiritual em que fora elucidando.
Aproximou-se o primeiro grupo, trazendo uma braçada de rosas, tecidas com as emoções do carinho materno que, lançadas à toalha surpreendente, expediram suaves irradiações em azul indefinível, e os anjos abençoaram o devotamento das mães, que preservam os tesouros de Deus, na posição de heroínas desconhecidas.
Logo após, brilhante conjunto de Espíritos jubilosos deitou ao pano singular uma coroa de lírios, formados pelas vibrações de fervor das almas piedosas que se devotam nos templos ao culto da fé. Safirinas emanações cruzaram o espaço e os celestes embaixadores louvaram os santos misteres de todos os religiosos do mundo.
Em seguida, alegre comissão juvenil trouxe a exame delicado ramalhete de açucenas, estruturadas nos sonhos e nas esperanças dos noivos que sabem guardar a Bênção Divina, e raios verdes de brilho intraduzível se projetaram em todas as direções, enquanto os emissários do Todo-Misericordioso entoaram encômicos aos afetos santificantes das almas.
Lindas crianças foram portadoras de formosa auréola de jasmins, nascidos da ternura infantil, e que, depostos sobre a toalha miraculosa, emitiram alvíssima luz, semelhante a fios de aurora, incidindo sobre a neve.
Depois, pequeno agrupamento de criaturas iluminadas colocou, sob os olhos dos anjos, bela grinalda de cravos rubros, colhidos na renunciação dos sábios e dos heróis, a serviço da Humanidade, que exteriorizaram vermelhas emanações, quais se fossem constituídas de eterizados rubis.
E, assim, cada comissão submeteu ao trabalho seletivo as jóias que trazia.
O devotamento dos pais, os laços esponsalícios, a dedicação dos filhos, o carinho dos verdadeiros amigos, a devoção de vários matizes ali se achavam magnificamente representados pelas flores cuja essência lhes correspondia.
Em derradeiro lugar, compareceu a mais humilde comissão da festa.
Quatro almas, revelando características de extrema simplicidade, surgiram com um ramo feio e triste. Eram rosas mirradas, de cor arroxeada, mostrando pontos esbranquiçados a guisa de manchas, a desabrocharem ao longo de hastes espinhosas e repelentes. Depostas, no entanto, sobre a mágica toalha, inflamaram-se de luz solar, a irradiar-se do recinto à imensidão dos Céus.
Os três anjos puseram-se de joelhos. Inesperada comoção encheu de lágrimas os olhos espantados da enorme assembléia. E porque alguns dos presentes chorassem, com interrogações imanifestas, o grande juiz do certame esclareceu, emocionado:
- Estas flores são as rosas de amor que raros trabalhadores do bem cultivam nas sombras do inferno. São glórias do sentimento puro, da fraternidade real, da suprema consagração à virtude, porque somente as almas libertas de todo o egoísmo conseguem servir a Deus, na escória das trevas. Os acúleos que se destacam nas hastes agressivas simbolizam as dificuldades superadas, as pétalas roxas simbolizam o arrependimento e a consolação dos que já se transferiram da desolação para a esperança, e os pontos alvos expressam o pranto mudo e aflitivo dos heróis anônimos que sabem servir sem reclamar…
E, entre cânticos de transbordante alegria, as rosas estranhas subiram rutilantes do Paraíso.
Ó vós, que lutais no caminho empedrado de cada dia, enxugai as lágrimas e esperai! As flores mais sublimes para o Céu nascem na Terra, onde os companheiros de boa vontade sabem viver para a vitória do bem, com o suor do trabalho incessante e com as lágrimas silenciosas do próprio sacrifício.
Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito) Livro: Contos e Apólogos
Irmão X (espírito) Livro: Contos e Apólogos
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O TALISMÃ DIVINO
Entabularam os familiares interessante palestra, acerca das faculdades sublimes de que o Mestre dava testemunho amplo, curando loucos e cegos, quando Isabel, a zelosa genitora de João e Tiago, indagou, sem preâmbulos:
- Senhor, terás contigo algum talismã de cuja virtude possamos desfrutar? Algum objeto mágico que nos possa favorecer?
Jesus pousou na maioria os olhos penetrantes e falou, risonho:
- Realmente, conheço um talismã de maravilhoso poder. Usando-lhe os milagrosos recursos, é possível iniciar a aquisição de todos os dons de Nosso Pai. Oferece a descoberta dos tesouros do amor que resplandecem ao redor de nós, sem que lhe vejamos, de pronto, a grandeza. Descortina o entendimento, onde a desarmonia castiga os corações. Abre a porta às revelações da arte e da arte e da ciência. Estende possibilidades de luminosa comunhão com as fontes divinas da vida. Convida à benção da meditação nas coisas sagradas. Reata relações de companheiros em discordância. Descerra passagens de luz aos espíritos que se demoram nas sombras. Permite abençoadas sementeiras de alegria. Reveste-se de mil oportunidades de paz com todos. Indica vasta rede de trilhos para o trabalho salutar. Revela mil modos de enriquecer a vida que vivemos. Facilita o acesso da alma ao pensamento dos grandes mestres. Dá comunicações com os mananciais celestes da intuição.
- Que mais? – disse o Senhor, imprimindo ênfase à pergunta. E após sorrir, complacente, continuou:
- Sem esse divino talismã, é impossível começar qualquer obra de luz e paz na terra.
Os olhos dos ouvintes permutavam expressões de assombro, quando a esposa de Zebedeu inquiriu, espantada:
- Mestre, onde poderemos adquirir semelhante bênção? Dize-nos. Precisamos desse acumulador de felicidade.
O Cristo, então, acrescentou, bem-humorado:
- Esse bendito talismã, Isabel, é propriedade comum a todos. É “a hora que estamos atravessando…” Cada minuto de nossa alma permanece revestido de prodigioso poder oculto, quando sabemos usá-lo no Infinito Bem, porque toda grandeza e toda decadência, toda vitória e toda ruína são iniciadas com a colaboração do dia.
E diante da perplexidade de todos, rematou:
- O tempo é o divino talismã que devemos aproveitar.
Médium: Chico Xavier
Espírito: Neio Lúcio
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A PETIÇÃO DE JESUS
… E Jesus, retido por deveres constrangedores, junto da multidão, em Cafarnaum, falou a Simão, num gesto de bênção:
– Vai, Pedro! Peço-te!… Vai à casa de Jeremias, o curtidor, para ajudar. Sara, a filha dele, prostrada no leito, tem a cabeça conturbada e o corpo abatido… Vai sem delonga, ora ao lado dela, e o Pai, a quem rogamos apoio, socorrerá a doente por tuas mãos.
Na manhã ensolarada, pôs-se o discípulo em marcha, entusiasmado e sorridente com a perspectiva de servir. À tarde, quando o Sol cedia as últimas posições à sombra noturna, vinha de retorno enunciando inquietação e pesar no rosto áspero.
– Ah! Senhor! Disse ao Mestre que lhe escutava os apontamentos – todo esforço baldado, tudo em vão!…
– Como assim?
E o apóstolo explicou amargamente, qual se fora um odre de fel a derramar-se:
– A casa de Jeremias é um antro de perdição… Antes fosse um pasto selvagem. O abastado curtidor é um homem que ajuntou dinheiro, a fim de corromper-se. De entrada, dei com ele bebericando vinho num paiol, a cuja porta bati, na esperança de obter informações para demandar o recinto doméstico. Não parecia um patriarca e sim um gozador desavergonhado. Sentava-se na palha de trigo e, de momento a momento, colava os lábios ao gargalo de pesada botelha, desferindo gargalhadas, ao pé de serva bonita e jovem, que se refestelava no chão, positivamente embriagada… Ao receber-me, começou perguntando quantos piolhos trago à cabeça e acabou mandando-me ao primogênito… Saí à procura de Zoar, o filho mais idoso, e achei-o, enfurecido, no jogo de dados em que perdia largas somas para conhecido traficante de Jope. Acolheu-me aos berros, explicando que a sorte da irmã não lhe despertava o menor interesse… Por fim, expulsou-me aos coices, dando a idéia de uma besta-fera solta no campo… Afastava-me, apressado, quando esbarrei com a dona da casa. Dei-lhe a razão de minha presença; contudo, antes de atender-me, passou a espancar esquelética criança menina, alegando que a criança lhe havia surrupiado um figo, enquanto a pequena chorosa tentava esclarecer que a fruta havia sido devorada por galos de estimação… Somente após ensangüentar a vítima, resolveu a megera designar o aposento em que poderia avistar-me com a filha enferma…
Ante o olhar melancólico do ouvinte, o discípulo prosseguiu:
A dificuldade, porém, não ficou nisso… Visivelmente transtornada por bagatela, a velha sovina errou na indicação, pois entrei numa alcova estreita, onde fui defrontado por Josué, o filho mais moço do curtidor, que mergulhava a mão num cofre de jóias. Desagradavelmente surpreendido, fez-se amarelo de raiva, acreditando decerto que u não passava de alguém a serviço da família, a fim de espionar-lhe os movimentos. Quando ergueu o braço para esmurrar-me, supliquei considerasse a minha situação de visitante em missão de paz e socorro fraterno… Embora contrafeito, conduziu-me ao quarto da irmã… Ah! Mestre, que tremenda desilusão!… Não duvido de que se trata de uma doente, mas, logo me viu, a estranha criatura se tornou inconveniente, articulando gestos indecorosos e pronunciando frases indignas… Não agüentei mais… Fugi, horrorizado, e regressei pelo mesmo caminho…
Observando que o Amigo Sublime se resguardava, triste e silencioso, volveu Simão, após comprido intervalo:
– Senhor, não fui, acaso, bastante claro? Porventura, não terei procurado cumprir-te honestamente os desejos? Seria justo, Mestre, pronunciar o nome de Deus, ali, entre vício e deboche, avareza e obscenidade?
Jesus, porém, depois de fitar longamente o céu, a inflamar-se de lumes distantes, fixou no companheiro o olhar profundamente lúcido e falou com serenidade:
– Pedro, conheço Jeremias, a esposa e os filhos, há muito tempo!… Quando te incumbi de ir ao encontro deles, apenas te pedi para auxiliar!…
Médium: Chico Xavier, Espírito: Irmão X
Do Livro: Ideias e Ilustrações
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BELARMINO BICAS
Depois da festa beneficente, em que servíramos juntos, Belarmino Bicas, prezado companheiro a que nos afeiçoamos, no Plano Espiritual, chamou-me à parte e falou, decidido:
- Bem, já que estivemos hoje em tarefa de solidariedade, estimaria solicitar um favor…
Ante a surpresa que nos assaltou, Belarmino prosseguiu:
- Soube que você ainda dispõe de alguma facilidade para escrever aos companheiros encarnados na Terra e gostaria de confiar-lhe um assunto…
- Que assunto?
- Acontece que desencarnei com cinqüenta e oito anos de idade, após vinte de convicção espírita. Abracei os princípios codificados por Allan Kardec, aos trinta e oito, e como sempre fora irascível por temperamento, organizei, desde os meus primeiros contatos com a Doutrina Consoladora, uma relação diária de todas as minhas exasperações, apontando-lhes as causas para estudos posteriores… Os meus desconchavos, porém, foram tantos que, apesar dos nobres conhecimentos assimilados, suprimi, inconscientemente, vinte e dois anos da quota de oitenta que me cabia desfrutar no corpo físico, regressando à Pátria Espiritual na condição de suicida indireto… Somente aqui, pude examinar os meus problemas e acomodar-me às desilusões… Quantos tesouros perdidos por bagatelas! Quanta asneira em nome do sentimento!…
E, exibindo curioso papel, Belarmino acrescentava:
- Conte o meu caso para quem esteja ainda carregando a bagagem do azedume! Fale do perigo das zangas sistemáticas, insista na necessidade da tolerância, da paciência, da serenidade, do perdão! Rogue aos nossos companheiros para que não percam a riqueza das horas com suscetibilidades e amuos, explique ao pessoal na Terra que mau-humor também mata!…
Foi então que passei à leitura da interessante estatística de irritações, que não me furto à satisfação de transcrever: Belarmino Bicas – número de cóleras e mágoas desnecessárias com a especificação das causas respectivas, de 1936 a 1956:
1811 em razão de contrariedades em família;
906 por indispor-se, dentro de casa, em questões de alimentação e higiene;
1614 por altercações com a esposa, em divergências na conduta doméstica e social;
1801 por motivo de desgostos com os filhos, genros e noras;
11 por descontentamentos com os netos;
1015 por entrar em choque com chefes de serviço;
1333 por incompatibilidade no trato com os colegas;
1012 em virtude de reclamações a fornecedores e lojistas em casos de pouca monta;
614 por mal-entendidos com vizinhos;
315 por ressentimentos com amigos íntimos;
1089 por melindres ante o descaso de funcionários e empregados de instituições diversas;
615 por aborrecimentos com barbeiros e alfaiates;
777 por desacordos com motoristas e passageiros desconhecidos, em viagem de ônibus, automóveis particulares, bondes e lotações;
419 por desavenças com leiteiros e padeiros;
820 por malquistar-se com garçons em restaurantes e cafés;
211 por ofender-se com dificuldades em serviços de telefones;
90 por motivo de controvérsias em casas de diversões;
815 por abespinhar-se com opiniões alheias em matéria religiosa;
217 por incompreensões com irmãos de fé, no templo espírita;
901 por engano ou inquietação, diante de pesares imaginários ou da perspectiva de acontecimentos desagradáveis que nunca sucederam.
Total: 16.386 exasperações inúteis.
Esse o apanhado das irritações do prestimoso amigo Bicas: 16.386 dissabores dispensáveis em 7.300 dias de existência, e, isso, nos quatro lustros mais belos de sua passagem no mundo, porque iluminados pelos clarões do Evangelho Redivivo. Cumpro-lhe o desejo de tornar conhecida a sua experiência que, a nosso ver, é tão importante quanto as observações que previnem desequilíbrios e enfermidades, embora estejamos certos de que muita gente julgará o balanço de Belarmino por mera invencionice de Espírito loroteiro.
Médium: Chico Xavier Espírito: Irmão X
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NÃO VALE A PENA
Antônio Sampaio Júnior, valoroso tarefeiro do Centro Espírita “Regeneração”, do Rio de Janeiro, era humilde servidor num escritório.
Zeloso, correto, madrugador.
Zeloso, correto, madrugador.
Certa feita, mal havia espanado os móveis pela manhã, para sentar-se à máquina de escrever, foi procurado por amigo situado no comércio do Rio.
– Sampaio – disse o visitante, sem rebuços -, sei que você é espírita e esfalfa-se, há muito tempo, enfrentando dificuldades. Quanto você ganha mensalmente?
– Sampaio – disse o visitante, sem rebuços -, sei que você é espírita e esfalfa-se, há muito tempo, enfrentando dificuldades. Quanto você ganha mensalmente?
- Quatrocentos reais.
O homem fez um gesto irônico e observou:
– Não vale a pena.
E prosseguiu:
– Não ignoro que você tem deveres de caridade na instituição que freqüenta, socorrendo órfãos e amparando viúvas… Como é que você arranja numerário para esse fim?
– Não vale a pena.
E prosseguiu:
– Não ignoro que você tem deveres de caridade na instituição que freqüenta, socorrendo órfãos e amparando viúvas… Como é que você arranja numerário para esse fim?
- Gasto o que posso, e, quando a despesa ultrapassa os recursos, tenho amigos… Faço listas, apelos…
- Não vale a pena. Estou informado de que você visita os infortunados nos morros, às vezes com sacrifício da própria saúde… Aproveita decerto o carro de alguém…
- Não disponho dessa facilidade. Temos bonde à porta e, depois do bonde, faz sempre bem uma caminhada a pé…
- Não vale a pena. Disseram-me – continuou o homem – que você, às vezes, passa noites à cabeceira de enfermos… Naturalmente, o diretor faz concessões… Boa cama no dia seguinte, ponto facultativo…
- Não é bem assim – falou Sampaio, humilde -, nem sempre posso visitar os doentes, mas se faço, meu dia de serviço core normal…
O amigo meteu a mão no bolso interno, trouxe à luz um documento e abriu-se, por fim:
- Pois é, Sampaio, admirando você como sempre, resolvi auxiliá-lo de vez. É tempo de você melhorar. Preciso de um sócio para um negócio da China… Três milhões de Reais. Você assina comigo a papelada e acompanharei todo o assunto… Gastaremos talvez cinqüenta mil reais na tramitação do processo… É um navio velho que vamos desencravar… Tudo pronto, você e eu ficaremos provavelmente com mais de um milhão cada um. Basta só que você assine…
Sampaio, sem desejar ofender, perguntou:
– Creio na lisura da iniciativa, mas há algum inconveniente a considerar?
– Creio na lisura da iniciativa, mas há algum inconveniente a considerar?
-Bem, o assunto envolve alguns interesses de repartições públicas, mas temos noventa e nove probabilidades a nosso favor…
- E se falharem as noventa e nove?…
- Ah! Se vier o contra – informou o amigo, evidentemente desapontado, – teremos entrevista no Distrito Policial.
Sampaio, sem perder a serenidade, falou simples:
– Não vale a pena.
E recomeçou a espanar.
– Não vale a pena.
E recomeçou a espanar.
Chico Xavier (Médium) Hilário Silva (Espírito)
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