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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

VEM VER UMA COISA MOLEQUE....LEVA PRO TEU IRMÃO COMER.

Histórias da Infância

A VÍTIMA
Dizem que brincar com imitação de armas, assistir a filmes violentos, cantar músicas como “atirei o pau no gato” estimulam a violência nas crianças. Eu acho um pouco exagerado, mas aconteceu uma tragédia na minha família há quase 60 que parece confirmar a tese.
Meu irmão tirou uma vida jovem e promissora por conta de um filme de guerra a que assistimos na cidadezinha  em que morávamos no interior de Minas Gerais. Era um daqueles filmes dos soldados americanos combatendo os índios apaches, exímios atiradores de flechas.
O filme foi exibido na noite de sexta e no sábado de manhã, entusiasmados,  saímos à procura da madeira necessária para fazer o arco de flecha semelhante ao dos índios. Rapidamente encontramos a Sapuva, madeira flexível e resistente, própria para a empreitada. Meu irmão acendeu um fogo e foi moldando a peça que terminou com um barbante forte e torcido unindo as duas pontas já em forma de arco. Em seguida pegou uma taquara, cujos nós foram aparados e endireitada para  transformar  em flecha. Como a arma dos apaches ele colocou  uma pena de galinha  na parte de trás,  para manter a direção  do arremesso. Pronto, estava feita a arma do  crime que não demorou a acontecer.
Devo dizer aqui que meu irmão sempre foi bom de pontaria. Manejava o estilingue com habilidade e era o terror dos passarinhos, que naquela época faziam a diversão da garotada. Esta boa pontaria foi a causa da desgraça. Quem poderia imaginar que no primeiro arremesso daquela arma rústica recém fabricada, conseguiria acertar o alvo? Pois acertou. Bem na bunda.
Atingida brutalmente a vítima da certeira flechada saiu desembestada. Tropeça aqui cai acolá, boca no mundo, membros desgovernados, procura a sua casa, que não estava longe, na busca de refúgio e socorro. Levava consigo, espetada no traseiro, a flecha assassina.
Ficamos apavoradíssimos. Do alpendre da casa para onde a vítima correu, crianças gritavam “ Mãe, foi aquele magrelo branco” Meu irmão jogou fora o arco e corremos  pra casa pensando no ferimento que causamos, ainda sem saber que o desfecho seria pior que o imaginado.
Segunda feira de manhã sou obrigado a passar em frente a casa da vítima na volta da escola. “Vem ver uma coisa aqui moleque” diz a mulher, mãe dos meninos que viram a cena, com a cara mais fechada do mundo. “Leva pro teu irmão comer” e mostrou o corpo da vítima ao lado da flecha mortal.
Ia me esquecendo de dizer que a vítima era um frango vistoso, gordo com enorme crista e barbela, já iniciando os primeiros cantos. Daria, sem dúvida, um bom galo e deixaria uma prole imensa.
Adaptado do livro “O Diabo Vai ao Céu” editora Juruá
Autor – Renato de Paiva Pereira.

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