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domingo, 25 de janeiro de 2015

O ROMANCE DE ALFREDO


O Mensageiro  -  Revista Espírita-Cristã do Terceiro Milênio 
Título:O Romance de Alfredo
Autor:Chico Xavier (médium)
André Luiz (espírito)
Fonte:Livro: Os Mensageiro
MENSAGENS
     
Depois de alguns minutos, utilizados por nós no serviço da higiene reconfortadora, Alfredo convidou-nos à mesa, onde Ismália com extrema fidalguia, mandou servir frutos diversos.
Os senhores do castelo não podiam ser mais gentis.
Servidores iam e vinham, com grande júbilo a lhes transparecer do rosto.
A palestra de Alfredo e as obsercaçoes de Ismália estavam cheias de notas interessantes e educativas.

- E qual a sua impressão dos serviços em geral? – perguntou Aniceto, atencioso, dirigindo-se ao dono da casa.
- Excelente, quanto às oportunidades de realização que nos oferecem – respondeu Alfredo em tom significativo; entretanto, não tenho o mesmo parecer quanto à situação em curso. As zonas a que servimos estão repletas de novidades dolorosas. O presente período humano é de conflitos devastadores e as vibrações contraditórias que nos atingem são de molde a enfraquecer qualquer ânimo menos decidido. Desencarnados e encarnados empenham-se em batalhas destruidoras. É uma lástima.
- Multiplica-se o número de necessitados que recorrem ao Posto? – continuou indagando nosso orientador.
- Enormemente. Nossa produção de alimentos e remédios tem sido integralmente absorvida pelos famintos e doentes. Tenho quinhentos cooperadores, mas nos sentimos presentemente incapazes de atender a todas as obrigações. As massas de sofredores são incontáveis. Noutro tempo, nossa paisagem se mantinha sem sombras, durante muitas semanas, mas agora...
Nesse instante, Ismália pediu licença para dirigir-se ao interior. E como Alfredo fixasse os olhos nos meus, aventurei-me a considerar:
- Ainda bem que tendes uma abnegada companheira ao vosso lado.
Ele e Aniceto sorriram, quase a um só tempo, falando-nos o administrador:
- Ah! meus amigos, por enquanto não tenho essa felicidade em caráter definitivo. Minha esposa e eu temos o divino compromisso da união eterna, mas ainda não lhe mereço a presença contínua. Ela é a bondade celeste, e eu, a realidade humana.
Depois de pequena pausa, prosseguiu com gentileza:
- Aniceto conhece-nos a história. Vocês, porém, a ignoram. Sentir-me-ei, portanto, contente, em relatar algumas lembranças, com benefício duplo. Aliviarei o coração, uma vez mais, contando minhas faltas, e vocês dois, que talvez tenham em breve novos serviços na Terra, aproveitarão, por certo, alguma coisa das minhas experiências.
Ismália e eu guardávamos um escrínio de felicidade no mundo; no entanto, os salteadores perversos espreitavam-nos a ventura. Minha responsabilidade era enorme no campo dos negócios materiais, e, longe de compreender as obrigações sublimes de esposo e pai, não procurava atender aos deveres justos para com o lar e os dois filhinhos que Deus me enviara ao círculo doméstico. Ismália, porém, era a providência de nossa casa. Esqueci-me, contudo, de que a virtude, a qualquer tempo, será atormentada pelo vicio e minha nobre companheira foi vitima da maldade de um amigo desleal, com quem tinha eu inúmeros interesses em comum, no campo monetário. Minha esposa sofreu, em silêncio, a perseguição dele por alguns anos consecutivos. E quando meu desventurado sócio verificou a inutilidade da atitude criminosa, em franco desespero buscou envenenar-me o espírito desprevenido. Começou por advertir-me, quanto ao procedimento dela. Atordoou-me envolvendo-a em acusações descabidas. Subornou criados domésticos e colocou espiões que seguissem minha querida Ismália, nas tarefas de esposa e mãe. Esse homem exercia profunda influência sobre mim, e, atendendo aos laços que nos uniam, minha companheira jamais se sentiu com bastante coragem para denunciá-lo. Enquanto dava ouvidos à calúnia, fora de meu círculo doméstico, tornara-me intolerável dentro dele. Não sabia contemplar minha esposa com a despreocupação e a confiança absoluta de outra época. Via o mal nos seus mínimos gestos e queria descobrir segundas intenções nas suas frases mais inocentes. Cheguei a acusá-la, veladamente. Ismália chorou e calou-se. Por fim, nosso infeliz perseguidor subornou um homem de baixa condição que permaneceu, certa noite, ao lado de nossos aposentos particulares como vulgar ladrão, às ocultas, sendo eu convocado à prova máxima. Penetrei no quaro em extremo desespero e acusei em voz alta ao ver a companheira profundamente tranqüila. Ismália levantou-se, receosa da minha saúde mental. Mas não lhe atendi os rogos, procurando, como louco, o conspurcador da minha honra... Abri violentamente grande armário antigo, vasculhando o quarto. Nesse instante, o vulto de um homem esgueirou-se na sombra, do aposento próximo, e, antes que eu pudesse agarrá-lo no meu ódio infrene, saltou a janela, alcançando o pomar de nossa casa. Corri, desesperado, detonando balas a esmo, mas, nada consegui. Regressei ao quarto e, para cúmulo da calúnia odiosa, o desconhecido deixara, atrás de si, um chapéu novo, rigorosamente moderno, para que se acentuassem meus sentimentos terríveis. Olhos congestos. Vomitando insultos, quis eliminar Ismália, banhada em lágrimas a meus pés; no entanto, alguma coisa que nunca pude compreender na Terra, paralisou-me o braço quase homicida. Vociferando blasfêmias, surdo aos rogos dela, afastei-me do lar, tomado de horror. No dia imediato, fiz valer meu direito exclusivo sobre os filhos e providenciei para que Ismália, convertida em estátua de dor, fosse restituída à fazenda paterna. Contratei uma governanta para os meninos e, logo após, tomei um paquete para a Europa, onde me demorei mais de três anos. Nunca me propus a verificações sérias, e, embora tivesse os espírito incessantemente atormentado, humilhei os sentimentos mais íntimos, jamais procurando notícias da companheira caluniada. Certo dia, recebi uma carta lacônica na costa francesa. Um parente dava-me informações da esposa. Após dois anos angustiosos, entre a saudade e o abandono, Ismália fora colhida pela tuberculose, falecendo em terrível martirológio moral. Deliberei, então, a volta. Fixei-me novamente no Rio, eduquei os filhinhos e conservei a dolorosa viuvez no desencanto do coração. Os anos rolaram uns sobre os outros, quando fui chamado à cabeceira do ex-sócio agonizante. O infeliz, em face da morte, confessou o crime odioso, pedindo um perdão que, infelizmente, não pude conceder. Transformei-me, desde então, num louco irremediável. Cansado, envelhecido, procurei a propriedade rural dos sogros, tentando reparar, de alguma sorte, a injustiça, mas a morte não me deu ensejo e voltei para a esfera dos desencarnados, em tristes condições espirituais.
Nesse instante, fez uma pausa, para continuar comovido:
- Não preciso dizer que recebi de Ismália todo o amparo de que necessitava. Todavia, infelizmente para mim, estávamos separados. Não mereci a bênção da união sublime. Ismália segue-me de perto, mas tem residência num plano superior, que devo esforçar-me por alcançar. Desde muito, dediquei-me aos serviços do nosso Posto de Socorro, consagrei-me aos ignorantes e sofredores, e minha santa Ismália vem até aqui, mensalmente, incentivar-me o bom ânimo e amparar-me nas lutas.
- Mas não poderia ela transferir-se definitivamente para aqui? – indagou Vicente, tão impressionado quanto eu, com o romance comovedor.
Alfredo sorriu e falou:
- Sei que Ismália tem trabalhado para isso, que seu ideal de união eterna é idêntico ao meu, atendendo à circunstância de estar o superior sempre em posição de dar ao inferior; mas não ignoro que foi advertida por nossos maiores, sobre as minhas atuais necessidades de esforço e solidão. Preciso conhecer o preço da felicidade, para não menosprezar, de novo, as bênçãos de Deus. Minha esposa deseja descer para encontrar-se definitivamente comigo; entretanto, é necessário que eu aprenda a subir e, por este motivo, ainda não recebemos a devida permissão para o definitivo consórcio espiritual.
Observando-nos a emoção, concluiu:
- Estou resgatando crimes de precipitação. Pela impulsividade delituosa, perdi minha paz, meu lar e minha devotada companheira. Conforme ouviram, não matei nem roubei a ninguém, mas envenenei-me a mim próprio. A calúnia é um monstro invisível, que ataca o homem através dos ouvidos invigilantes e dos olhos desprevenidos.
O Caluniador
Enquanto o administrador se entregava a conversações educativas com os numerosos subordinados, Aniceto chamou-nos a pequena construção isolada e falou:
- Vejamos outro ensinamento.
Avançamos na direção de algumas câmaras separadas.
Nosso instrutor abriu uma porta e vimos um louco, que parecia fundamente irritado. Fixou em nós o olhar inexpressivo e gritou estentoricamente. Aniceto, porém, adiantou-se e cumprimentou-o atencioso:
- Como vai, Paulo?
As palavras, ao que senti, emitiram certo fluxo magnético e o enfermo revelou profunda modificação. Aquietou-se de súbito. Sentou-se mais calmo, embora trêmulo e espantadiço.
- Tem sentido melhoras, Paulo? – perguntou nosso orientador, bondosamente, tocando-o no ombro.
Ao contacto pessoal de Aniceto, o doente mostrou algum raciocínio e respondeu:
- Vou melhorando, graças...
A vista da expressao reticenciosa, o instrutor falou em tom firme, como se desejasse auxiliar-lhe a vontade enfraquecida:
- Termine!
O doente fez enorme esforço e concluiu:
- G.. r..a..ç..a..s  a  D..e..u..s.
Anotando-lhe o sofrimento e a indecisão, lembrei dos enfermos das Câmaras, aos quais prestava Narcisa ampla colaboração afetuosa.
Percebendo-me as íntimas considerações, disse o mentor esclarecido:
- Vêem a diferença entre os que dormem, os que estão loucos e os que sofrem? Em “Nosso Lar”, não temos dos primeiros, e os que se encontram desequilibrados, nos serviços da Regeneração, sentem, na maioria, angústias cruéis. É necessário reconheçamos que os que gemem e sofrem, em qualquer parte, estão melhorando. Toda lágrima sincera é bendito sintoma de renovação. Os escarnecedores, os ironistas e os perturbados que não registram a dor são mais dignos de piedade, por permanecerem embotados em estranha rigidez de entendimento.
E, designando o enfermo sob nossos olhos, afirmou:
- Paulo é um doente a caminho de melhora positiva. Ainda não possui a consciência exata da situação, mas já chora, já padece com as recordações do passado triste.
Recebi o esclarecimento com atenção. Lembrei-me que, de fato, os doentes conduzidos pelos Samaritanos a “Nosso Lar”, em serviço diário, eram grandes sofredores. Os que não acusavam padecimentos atrozes, revelavam estranho pavor das sombras. A única entidade que ali observara, com absoluta inconsciência da própria miséria, fora a de pobre vampiro que não encontrara guarida nas Câmaras de Retificação.
Nosso instrutor, sem qualquer preocupação de transformar o doente em cobaia, recomendou, afetuoso:
- Concentrem no Paulo a capacidade de visão!
Estimulado pela experiência anterior, fixei nele todo o meu potencial de observação.
Aos poucos, caracterizou-se a meus olhos a sua tela mental, parecendo formada em compacta sombra noturna. Com surpresa, divisei formas diversas que se movimentavam. Vários vultos de mulher ali surgiam, despertando-me enorme admiração. Entre eles, reparei o de Ismália como que doente, enfraquecida, ansiosa. Alguns homens passavam, igualmente, mostrando desesperação, e notei, nessas imagens, o próprio Alfredo, a evidenciar cansaço e extrema velhice prematura. Vozes misteriosas se faziam ouvir. Sobre Paulo choviam maldiçoes e blasfêmias. As mulheres pareciam acusá-lo, clamorosamente; os homens davam idéia de perseguidores ferozes, ocultos no mundo interior daquele enfermo estranho. Observando, porém, que os vultos de Ismália e Alfredo se movimentavam naquele painel escuro, não pude sofrear a curiosidade e interrompi o minucioso exame, voltando a conversar com o nosso orientador, perguntando:
- Como explicar o fenômeno? Estou assombrado!
Antes, porém, que pudesse expressar maiormente o espanto que me dominara, Aniceto ajuntou:
- Já sei. Admira-se da presença de Ismália e do seu marido nas reminiscências do enfermo.
E, ante a minha perplexidade, continuou:
- Lembra-se da história de Alfredo? Temos diante de nós o falso amigo que lhe arruinou o lar. Paulo, contudo, não somente cometeu a ingratidão, como envenenou o espírito doutras senhoras, traiu outros amigos e destruiu a alegria e a paz doutros santuários domésticos. Observando Ismália aflita e Alfredo desesperado, nas recordações dele, vemos as imagens criadas pelo caluniador, para seus próprios olhos. Nossos amigos deste Posto evolutiram, transpuseram a fronteira da mágoa, escaparam aos monstros do ódio, vestem-se hoje de luz; no entanto, Paulo os vê como imagina, para escarmento de suas culpas. O criminoso nunca consegue fugir da verdadeira justiça universal, porque carrega o crime cometido, em qualquer parte. Tanto nos círculos carnais, como aqui, a paisagem real do espírito é a do campo interior. Viveremos, de fato, com as criações mais íntimas de nossa alma.
Reparando-me na dificuldade para compreender de pronto, Aniceto prosseguiu, depois de pequeno intervalo:
- Para melhor elucidação, recordemos a crucificação do Mestre Divino. Sabemos que Jesus penetrou na glória sublime logo após a suprema dor do Calvário; entretanto, estamos ainda a vê-lo frequentemente pendurado na cruz, martirizado pelos nossos erros, flagelado pelos nossos açoites, porque a visão interior a isso nos compele. A condenação do Mestre foi um crime coletivo e esse crime estará conosco até ao dia em que nos vestirmos na divina luz da redenção.
O esclarecimento não poderia ser mais lúcido. Sentia-me diante de nobre revelação.
- O dever possui as bênçãos da confiança, mas a dívida tem os fantasmas da cobrança – tornou o generoso mentor, com grave acento.
Readquirindo a serenidade, interrpoguei:
- Mas Paulo veio ter casualmente a este Posto?
- Não – respondeu Aniceto, atencioso -; foi trazido pelo próprio Alfredo, que se sentiu necessitado de disciplinar o coração. Nosso amigo, que hoje dirige esta casa de amor, desprendeu-se do mundo, sob intensa vibração de ódio e desesperação. Sofreu muitíssimo nos primeiros tempos, embora nunca fosse abandonado pela dedicação da abnegada companheira. Alfredo, todavia, não pôde ver Ismália enquanto não se desvencilhou das baixas manifestações do rancor. Socorrido em “Campo da Paz”, compreendeu as próprias necessidades. Tão logo adquiriu algum mérito, intercedeu pelo amigo infiel, buscou-o em recanto abismal, e tão nobremente se dedicou ao aperfeiçoamento de si mesmo, que conquistou a posição de administrador de um Posto de Socorro. Trouxe o tutelado em sua companhia e trata-o como irmão, atualmente. Não julguem que o marido de Ismália conseguiu essa vitória espiritual tão-somente pelo fato de desejá-la. Ele desejou-a, procurou-a, alimentou-a, e, agora, permanece na realização. Há muitos anos conversa com Paulo, diariamente. Nos primeiros tempos, aproximava-se do enfermo, como necessitado de reconciliação; depois, como pessoa caridosa; mais tarde adquiriu entendimento, comparando situações; em seguida, sentiu piedade; logo após, experimentou simpatia e, presentemente, conquistou a verdadeira fraternidade, o amor sublime de irmão pelo ex-inimigo.
Fazendo pequena pausa, voltou a dizer, espirituosamente:
- Como vêem, o ensinamento de Jesus, quanto ao “batei e abrir-se-vos-á”, é muito extenso. No plano da carne, insistimos à porta das coisas exteriores, procurando facilidades e vantagens; mas, aqui, temos de bater à porta de nós mesmos, para encontrar a virtude e a verdadeira iluminação.
Vicente, que até então se conservara calado, indagou:
- Paulo, todavia, permanecerá aqui, indefinidamente?
Nosso instrutor fez um gesto significativo e concluiu:
- Voltará breve à Terra. Ismália tem feito a seu favor inúmeras intercessões e não deseja que ele, ao retomar a razão plena, se sinta humilhado, com o beneficio das próprias vitimas. Uma das irmãs, por ele caluniada no mundo, já voltou ao círculo carnal, e a abnegada esposa de Alfredo pediu-lhe que recebesse Paulo como filho, tão logo seja oportuno.

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