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quinta-feira, 7 de julho de 2016

CONTOS ESPÍRITAS

CONTOS ESPÍRITAS

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MÃE
Quando Jesus ressurgiu do túmulo, a negação e a dívida imperavam no círculo dos companheiros.
Voltaria Ele? Perguntavam, perplexos. Quase impossível. Seria Senhor da Vida Eterna quem se entregara na cruz, expirando entre malfeitores?
Maria Madalena, porém, a renovada, vai ao sepulcro de manhãzinha. E maravilhosamente surpreendida, vê o Mestre ajoelhando-se aos pés. Ouve-lhe a voz repassada de ternura, fixa-lhe o olhar sereno e magnânimo. Entretanto, para que a visão se lhe fizesse mais nítida, foi necessário organizar o quadro exterior. O jardim recendia perfumes para a sua sensibilidade feminina, a sepultura estava aberta, compelindo-a a raciocinar. Para que a gravação das imagens se tornassem bem clara, lavando-lhe todas cãs dúvidas da imaginação, Maria julgou a princípio que via o jardineiro. Antes da certeza, a perquirição da mente precedendo a consolidação da fé. Embriagada de júbilo, a convertida da Magdala transmite a boa-nova aos discípulos confundidos. Os olhos sombrios de quase todos se enchem de novo brilho.
Outras mulheres, como Joana de Cusa e Maria, mãe de Tiago, dirigem-se, ansiosas, para o mesmo local, conduzindo perfumes e preces gratulatórias. Não enxergam o Messias, mas entidades resplandecentes lhes falam do Mestre que partiu.
Pedro e João acorrem, pressurosos, e ainda vêem a pedra removida, o sepulcro vazio e apalpam os lençóis abandonados.
No colégio dos seguidores, travam-se polemicas discretas.
Seria? Não seria?
Contudo, Jesus, o Amigo Fiel, mostra-se aos aprendizes no caminho de Emaús, que lhe reconhecem a presença ao partir do pão e, depois, aparece aos onze cooperadores, num salão de Jerusalém. As portas permanecem fechadas e, no entanto, o Senhor demora-se, junto deles, plenamente materializado. Os discípulos estão deslumbrados, mas o olhar do Messias é melancólico. Diz-nos João Marcos que o Mestre lançou-lhes em rosto a incredulidade e a dureza de coração. Exorta-os a que o vejam, que o apalpem. Tomé chega a consultar-lhe as chagas para adquirir a certeza de que observa. O Celeste Mensageiro faz-se ouvir para todos. E, maia tarde, para que se convençam os companheiros de sua presença e da continuidade de seu amor, segue-os, em espírito, no labor da pesca. Simão Pedro regista-lhe carinhosas recomendações, ao lançar as redes, e encontra-o nas preces solitárias da noite.
Em seguida, para que os velhos amigos se certifiquem da ressurreição, materializa-se num monte, aparecendo a quinhentas pessoas da Galileia.
No Pentecostes, a fim de que os homens lhe recebam o Evangelho do Reino, organiza fenômenos luminosos e lingüísticos, valendo-se da colaboração dos companheiros, ante judeus e romanos, partos e medas, gregos e elamitas, cretenses e árabes. Maravilha-se o povo. Habitantes da Panfília e da Líbia, do Egito e da Capadócia ouvem a Boa-Nova no idioma que lhes é familiar.
Decorrido algum tempo, Jesus resolve modificar o ambiente farisaico e busca Saulo de Tarso para o seu ministério; entretanto, para isso é compelido a materializar-se no caminho de Damasco, a plena luz do dia. O perseguidor implacável, para convencer-se, precisa experimentar a cegueira temporária, após a claridade sublime; e para que Ananias, o servo leal, dissipe o temor e vá socorrer o ex-verdugo, é imprescindível que Jesus o visite, em pessoa, lembrando-lhe o obséquio fraternal.
Todos os companheiros, aprendizes, seguidores e beneficiários solicitaram a cooperação dos sentidos físicos para sentir a presença do Divino Ressuscitado. Utilizaram-se dos olhos mortais, manejaram o tato, aguçaram os ouvidos.
Houve, contudo, alguém que dispensou todos os toques e associações mentais, vozes e visões. Foi Maria, sua Divina Mãe. O Filho Bem-Amado vivia eternamente, no infinito mundo de seu coração. Seu olhar contemplava-o, através de todas as estrelas do Céu e encontrava-lhe o hálito perfumado em todas as flores da Terra. A voz d´Ele vibrava em sua alma e para compreender-lhe a sobrevivência bastava penetrar o iluminado santuário de si mesma. Seu filho – seu amor e sua vida – poderia, acaso, morrer? E embora a saudade angustiosa, consagrou-se à fé no reencontro espiritual, no plano divino, sem lágrimas, sem sombras e sem morte!…
Homens e mulheres do mundo, que haveis de afrontar, um dia, a esfinge do sepulcro, é possível que estejais esquecidos plenamente, no dia imediato ao de vossa partida, a caminho do Mais Além. Familiares e amigos, chamados ao imediatismo da luta humana, passarão a desconhecer-vos, talvez, por completo. Mas, se tiverdes um coração de mãe pulsando na Terra, regozijar-vos-ei, além da escura fronteira de cinzas, porque aí vivereis amados e felizes para sempre!
Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito)
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MENINA DE RUA
A mídia e o carisma de apresentadoras de programas de televisão propagaram e multiplicaram nomes pelos quadrantes do Brasil e romperam fronteiras: Nika é uma delas. Quem não a conhece? Passou a ser apelido de loiras e até loiros de todas as idades, pela popularidade e aceitação dessa imagem de nosso tempo. Hoje, eu vi uma Nika. Como tantas outras que se apresentam no cotidiano dos vídeos, anúncios e artigos de consumo, ela também se destacava, mesmo sem ser produzida, e me polarizou a atenção por sua presença no grupo que se formava à saída do moderno supermercado.
Em meio aos adolescentes e quase adultos, mendigos e maltrapilhos, era a única menina. Pés descalços e muito sujos, cabelos loiros, desuniformes e embaraçados, higiene pessoal comprometida e prematuros vícios de postura; sua face direita estampava uma tênue mancha escura e porosa – talvez alguma cicatriz em evolução, talvez alguma deficiência na pigmentação da pele, talvez alguma sujeira momentânea… não sei…
Desnutrida e de gestos lerdos, apesar da juventude, mais parecia uma boneca de pano, deixada ao chuvisco da tarde, esquecida e molhada.
Difícil avaliar sua idade, diante dos rigores que a vida lhe reservou; possivelmente não mais que a faixa dos anos de fantasia que alentam e fazem sonhar as mais empolgadas debutantes.
Seu nome de batismo adormeceu no passado, se é que teve a graça desse sacramento ou um registro em cartório.
Agora é simplesmente Nika, só isso.
Como se fosse um estilizado cachimbo da paz, uma garrafa de cachaça peregrinava pelo grupo de boca em boca. Uma cena de estarrecer! Do gole que lhe foi oferecido com o sabor híbrido e ardente do gargalo, ela sorveu um trago sem contrair a face, deixando escorrer as teimosas gotas pelo canto da boca e alguns respingos sobre o surrado vestido que um dia foi azul.
Olhei-a atormentado e surpreso, pelo automatismo de seu gesto, e nada disse; sequer transformei em palavras minhas idéias confusas. Ainda assim, ela me olhou sorrateira e respondeu sonora e incisiva à silenciosa pergunta que guardei no pensamento:”É melhor beber do que roubar!”
Embaralhei os gestos e palavras de sua frase espontânea, buscando uma composição para lhes descobrir lógica ou incoerência, ignorância ou sabedoria, protesto ou desabafo…
Seu olhar disse tudo e me trouxe uma verdade clara e lamentável. Hoje, eu vi uma Nika!
Adolescente sem rumo na calçada.
Sem postura, sem força de opinião.
Podia ser a minha filha.
Ou a sua.
Filha da sociedade em desunião.
Herdeira do amor pelo nada.
Os passantes nada sabem do seu ontem.
Presumem as sombras do seu amanhã.
Quanta história você já tem para contar, lembrar, esquecer!
Quanta queixa ecoa no vazio de todo dia e toda noite!
E quantos riscos, maldades e agressões você teve que enfrentar para sobreviver, caminhando pelas sendas imprevisíveis do perigo!
Que pena, amiguinha sem nome; sequer sabemos se ainda é menina, ou se a brutalidade dos homens já foi impiedosa com a sua pureza!
Que pena que a rua lhe adotou!
E nenhum de nós lhe estendeu a mão, para impedir a sua caminhada para o abismo!
Afinal, quem é mais pecador?
Aquele que não recebe ou aquele que não doa?
Quem é?
Quem somos?
Somos todos culpados.
Todos nós!
Que Deus lhe proteja Nika!
E que nos perdoe também!
Paulo de la Peña  (Livro: Cidade Viva)
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CURIOSA SELEÇÃO DE OBREIROS
Um homem saiu a recrutar pessoas para realização de um trabalho importante.
Procurou os jovens.
Muitos disseram que não tinham experiência, nem vocação para o serviço.
Senhores de meia idade alegaram compromissos inadiáveis. Alguns velhos discorreram sobre dificuldades de locomoção, raciocínio lento ou doenças que reclamavam repouso.
Disse o homem: Que farei? E teve uma idéia.
Contratou músicos e postou-se na esquina de uma praça movimentada.
Ao som de tamborins, pandeiros, reco-reco, cuícas e muita cantoria não tardou enorme ajuntamento de pessoas de todas as idades.
Era gostoso de se ver: cantavam, pulavam frenéticos. Todos queriam mostrar a boa forma e brincar, de verdade, a mais valer, com o máximo empenho.
Depois de algum tempo, dispensou os músicos e começou a falar sobre assuntos cívicos, deveres para a família, a pátria e a humanidade, coisas dessa grandeza.
Como previra, notou que poucos ficaram ouvindo; muitos se foram.
Continuou falando sobre moral e retidão do caráter, vigília religiosa e ensinos evangélicos. Aí a situação piorou. E não demorou a perceber pequena platéia ao seu redor.
Finalmente, conclamou à reduzida assembléia:
– Agora, preciso de operários. De gente para trabalhar. Quem se habilita?
Ficaram cinco jovens, duas senhoras, um homem de meia-idade e dois velhos.
Levantando as mãos para o céu o recrutador orou jubiloso:
– Graças te dou, meu Pai por me teres concedido esta pequena multidão excelente!…
Um erudito, desses bem tolos que a tudo assistia, compadecido, aproximou-se dele e colocando a mão sobre seu ombro, lhe disse:
– Pobre homem, perdeste uma multidão e ainda rendes graças? Havia mais de mil pessoas aqui…
– Ah, meu irmão! disse o homem, é porque tu não sabes… Cada um dos que ficaram vale por mil dos que se foram!
E nós, em que condição de obreiros nos situamos, quando o Pai nos solicita o auxílio na tarefa de evangelizar?
Edna C. M. Teixeira (Revista Espírita)
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A ESCOLHA DO REPRESENTANTE
Thomas Forster, o médium principal da instituição espírita em Washington, era um veterano exigente.
Desejava enviar um representante do grupo a certo movimento de estudos doutrinários a realizar-se em Chicago, mas não queria fazê-lo sem minuciosa seleção.
– Quero um elemento puro, absolutamente puro, um cristão perfeito, se pudermos classificá-lo assim – dizia, agitando o dedo em riste, lembrando batuta em mãos de maestro nervoso.
– Mas você – falava Boland, o companheiro mais íntimo – não pode pedir o impossível. Os espíritas são homens e mulheres fazendo força na própria melhoria moral. Procuraremos um companheiro de hábitos simples, mas sem a preocupação de santidade.
Forster ria amarelo, mas não dava braços a torcer.
– Pode ser exigência minha, mas não mandaremos companheiro algum dos que eu conheça.
E num rasgo de rigorismo:
– Nem mesmo eu me considero apto. Lido com muitos negócios materiais e quero que a nossa casa se represente em Chicago por um espírita-cristão completo. Humilde, alfabetizado, amante dos sofredores e absolutamente arredado de todas as ilusões da Terra…
– Muito difícil – observava Boland, sorrindo -, onde encontrar essa ave rara, se estamos longe do Céu?
Forster lembrou que, durante quatro domingos consecutivos, enquanto pregava o Evangelho vira na última fila um homem de aspecto simpático, que não conhecia. Trajava-se com simplicidade, sem ser relaxado, mostrava olhar sereno, tipo evidentemente ponderado e esquivo a qualquer conversação ociosa.
Após ligeiro comentário, concluiu:
– Parece-me o homem ideal; se for um espírita de convicção, pelos modos que demonstra, será o representante adequado…
Combinaram, assim, ouvi-lo na próxima sessão domingueira.
No dia aprazado, lá estava o assistente desconhecido.
Enquanto Forster falava, Boland aproximou-se dele e pediu-lhe alguns minutos de atenção para depois.
E, finda a preleção, os dois amigos abeiraram-se dele.
À primeira indagação que lhe foi atirada, respondeu, calmo:
– Sim, estou fazendo o que posso para ser espírita.
Forster continuou perguntando e ele prosseguiu respondendo:
– O irmão tem vida mundana ativa?
– Quem sou eu, meu amigo? Ando em luta contínua…
– Mas dedica-se aos sofredores?
– Tenho a vida entre os que choram.
– Escolheu, assim, o caminho da caridade cristã?
– Como não, meu amigo? Ouvir aflições e estar com os necessitados de conforto é meu simples dever…
– E ajuda a todos, em sua noção de serviço social?
– Devo servir a todos… ricos e pobres, justos e injustos, moços e velhos. Não posso fazer distinção.
Encantado, o velho Thomas inquiriu, ainda:
– E o irmão procede assim espontaneamente?
O desconhecido sorriu e acentuou:
– Ah! Até certo ponto… Se eu pudesse cultivaria minhas festas e me afastaria, pelo menos um pouco, de tantos sofrimentos e tantas lágrimas!…
Foi então que Forster veio a saber que o homem trabalhava no antigo Fort Lincoln e desempenhava as funções de coveiro.
Hilário Silva (médium)
Waldo Vieira (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras
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TRECHO DE CONVERSA
– A propósito da divulgação da Doutrina Espírita – disse-nos ainda agora, Samuel de Cirene, velho amigo da cultura israelita -, recordarei singelo acontecimento que os séculos apagaram…
E contou:
– Certa feita, nos primeiros tempos do Cristianismo, a peste devorava grande extensão da Capadócia e da Galácia, reduzindo industriosas populações ao desespero. Depois da doença fulminativa, veio a fome e, com a fome, surgiram tristeza e penúria, aflição e abandono… Largos movimentos de solidariedade se improvisaram, aqui e ali, para socorro às vítimas, e o apelo à generosidade pública alcançou Antioquia, onde um grupo de cristãos abnegados se entregou ao apostolado do auxílio. Em dias rápidos, numerosas famílias se despojaram de utilidades diversas, enquanto corações generosos ofereciam recursos financeiros, em favor dos desamparados. Tamanho foi o montante das preciosidades, que seis barcos, de um porto da Selêucia, partiram repletos. A viagem começou entre preces e cânticos de louvor; entretanto, depois de algumas horas, grosso nevoeiro desceu sobre as águas e as nuvens pareciam tão perto que mais se assemelhavam a montanhas de carvão em forma de neblina…
Sobreveio a noite, sem que se tivesse noticia do pôr-do-sol, a não ser através de tênue clarão, lembrando atmosfera de candeeiro longínquo… Findo longo tempo sobre a onda agitada, a frota beneficente foi arrojada a maciço de penhascos, despedaçando-se de encontro aos rochedos. Por esquecimento dos responsáveis, os faróis de ilha vizinha jaziam apagados e a valiosa carga se perdeu por inteiro… Esse antigo incidente, meus amigos, ilustra a necessidade da divulgação criteriosa do Espiritismo, em todas as direções. Indiscutivelmente, todos precisamos da bondade que auxilia o corpo e lhe sana as mazelas, mas não nos é licito esquecer, sem prejuízo grave, as exigências do espírito.
Esta, a observação de um dos amigos experientes que nos seguem a viagem, na conversação desta noite aprazível. Registro-a, de escantilhão, através do lápis medianímico, antes de retomar-lhe o convívio, porque, se ainda hoje líamos enternecidamente, aqui mesmo, o inolvidável aviso de Allan Kardec: “fora da caridade não há salvação”, será justo acrescentar, com todo o nosso respeito à memória do Codificador, que “fora da luz não existe caminho”.
Chico Xavier (médium)
Irmão X (espírito) Livro: Entre Irmãos de Outras Terras
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A FAMA DE RICO
O Coronel Manoel Rabelo, influente fazendeiro no Brasil Central, fora acometido de paralisia nas pernas. Vivia no leito, rodeado pelos filhos atentos. Muito carinho. Assistência contínua.
No decurso da doença, veio a conhecer a Doutrina Espírita, que lhe abriu novos horizontes à vida mental. Pouco a pouco desprendia-se da idéia de posse. Para que morrer com fama de rico? Queria agora a paz, a bênção da paz.
Viúvo, dono de expressiva fortuna e prevendo a desencarnação próxima, chamou os quatro filhos adultos e repartiu entre eles os seus bens. Terras, sítios, casas e animais, avaliados em seis milhões de cruzeiros, foram divididos escrupulosamente.
Com isso, porém, veio a reviravolta. Donos de riqueza própria, os filhos se fizeram distantes e indiferentes. Muito embora as rogativas paternas, as visitas eram raras e as atenções inexistentes.
Rabelo, muito triste e quase completamente abandonado, perguntava a si mesmo se não havia cometido precipitação ou imprudência. Os filhos não eram espíritas e mostravam irresponsabilidade completa.
Nessa conjuntura, apareceu-lhe antigo e inesperado devedor. O Coronel Antonio Matias, seu amigo da mocidade, veio desobrigar-se de empréstimo vultoso, que havia tomado sob palavra, e pagou-lhe dois milhões de cruzeiros, em cédulas de contado.
Na presença de dois dos filhos, Rabelo colocou o dinheiro em cofre forte, ao pé da cama. Sobreveio o imprevisto. Os quatro filhos voltaram às antigas manifestações de ternura. Revezavam-se junto dele. Papas de aveia. Caldos de galinha. Frutas e vitaminas. Mantinham-se cobertores quentes e fiscalizavam a passagem do vento pelas janelas. Raramente Rabelo ficava algumas horas sozinho.
E, assim, viveu ainda dois anos, desencarnando em grande serenidade.
Exposto o cadáver à visitação pública, fecharam-se os filhos no quarto do morto e, abrindo aflitivamente o cofre, somente encontraram lá um bilhete escrito e assinado pela vigorosa letra paterna, entre as páginas de surrado exemplar de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.
O papel assim dizia: “Meus filhos, Deus abençoe vocês todos. O dinheiro que me restava distribuí entre vários amigos para obras espíritas de caridade. Lego, porém, a vocês, o capitulo décimo quarto de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.
E os quatro, extremamente desapontados, leram a legenda que se seguia:
“Honrai a vosso pai e a vossa mãe. – Piedade filial”.
Waldo Vieira (médium)
Hilário Silva (espírito)  Livro: Almas em Desfile
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A SOMBRA DO BURRO
Certa vez, promovendo uma assembléia pública em Atenas para tratar de altos interesses da pátria grega, Demóstenes viu-se apupado pela turba impaciente, que fazia menção de retirar-se sem ouvi-lo. Então, elevando a voz, disse que tinha uma historia interessante a contar. Obteve, assim, silêncio e atenção, e começou:
– Certo jovem, precisando ir de sua casa até Mégara durante o auge do verão, alugou um burro, pondo-se a caminho. Quando o sol ficou a pino, ardentíssimo, tanto o moço como o dono do animal alugado tiveram vontade de sentar-se à sombra do burro, e começaram a empurrar-se mutuamente, a fim de ficar com o lugar. Dizia o dono do animal que apenas alugara o burro e não a sua sombra, e o outro afirmava que tendo pago o aluguel do burro, pagara também o de sua sombra, pois tudo quanto pertencia ao burro lhe fora alugado com ele…
A esta altura. Demóstenes levantou-se e fez menção de retirar-se. A multidão protestou, desejosa de ouvir o resto da historia. Foi então que o prodigioso orador, erguendo-se em toda a suas altura, e encarando com firmeza o auditório, declarou, a voz trovejante:
– Atenienses! Que espécie de homens sois, que insiste em saber a historia da sombra de um burro e recusais tomar conhecimento dos fatos mais graves que vos dizem respeito?
Só então pode fazer o discurso que pretendia, para um auditório envergonhado e atento, que, afinal, ficou sem saber o fim da historia da sombra do burro.
Antônio F. Rodrigues
Livro:Antologia Espírita e Popular “Mensagens dos Mestres”
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NÃO PERDOAR
Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiúva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.
Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:
– Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.
Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.
– Manda-o entrar – ordenou o político.
– Doutor – roga o moço preso, em lágrimas -, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos…                
Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção… Se o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o senhor…
O notável político, cioso da própria tranqüilidade, respondeu:
– De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição.
Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta indireta:
– Bezerra, eu não perdôo, definitivamente não perdôo…
Chamado nominalmente à questão, o amigo exclamou desapontado:
– Ah! você não perdoa!
Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino falou, irritado:
– Não perdôo erro. E você acha que estou fora do meu direito?
O Dr. Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:
– Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre…
A observação penetrou Quintino como um raio.
O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:
Solte o homem. O caso está liquidado.
E para o moço que mostrava profundo agradecimento:
– Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.
Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado.
Chico Xavier e Waldo Vieira (médiuns)
Hilário Silva (espírito)
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