I - MARICOTA SERELEPE
Maricota Serelepe
Era menina travessa...
Não havia disciplina
Que lhe dobrasse a cabeça.
Era menina travessa...
Não havia disciplina
Que lhe dobrasse a cabeça.
Gostava de más respostas.
Na escola, em casa, nas ruas,
Vivia desordenada
A fazer sempre das suas.
Na escola, em casa, nas ruas,
Vivia desordenada
A fazer sempre das suas.
Em vão, ganhava conselhos
Dos amigos para o bem.
Maricota Serelepe
Não atendia a ninguém.
Dos amigos para o bem.
Maricota Serelepe
Não atendia a ninguém.
Não era apenas sapeca:
Fugia a qualquer dever.
Vivia a brutalidade,
Fazia o mal por prazer.
Fugia a qualquer dever.
Vivia a brutalidade,
Fazia o mal por prazer.
II - MALCRIADA
A mamãe aconselhava:
- Minha filha, veja lá!
Céu castiga a menina
Que se faz grosseira e má.
- Minha filha, veja lá!
Céu castiga a menina
Que se faz grosseira e má.
A pequena respondia:
- A senhora nada sabe.
Concluindo num cochicho:
- Gente velha que se acabe.
- A senhora nada sabe.
Concluindo num cochicho:
- Gente velha que se acabe.
A professora também
Lhe falava, com carinho:
- Maricota, minha filha,
Não saia do bom caminho!
Lhe falava, com carinho:
- Maricota, minha filha,
Não saia do bom caminho!
A aluna desrespeitosa
Dizia, cabeça tonta:
- O que eu fizer, professora,
Não será de sua conta...
Dizia, cabeça tonta:
- O que eu fizer, professora,
Não será de sua conta...
III - INDISCIPLINADA
Aos onze anos bem-feitos,
Agindo e vivendo às cegas,
A menina endiabrada
Era o terror dos colegas.
Agindo e vivendo às cegas,
A menina endiabrada
Era o terror dos colegas.
Desprezava os bons avisos.
Por mais se lhe castigasse,
Resistia às punições,
Perturbando toda a classe.
Por mais se lhe castigasse,
Resistia às punições,
Perturbando toda a classe.
Rasgava livros, cadernos,
Esvaziava tinteiros,
Lançando borrões escuros
À roupa dos companheiros.
Esvaziava tinteiros,
Lançando borrões escuros
À roupa dos companheiros.
Tanto fez, tanto saltou
A endiabrada menina,
Que foi expulsa, mais tarde,
Em favor da disciplina.
A endiabrada menina,
Que foi expulsa, mais tarde,
Em favor da disciplina.
IV - VADIA
Desde então, ficou sabendo
A vadiagem de cor;
Sem conselhos e sem livros,
Ficou pior, bem pior ....
A vadiagem de cor;
Sem conselhos e sem livros,
Ficou pior, bem pior ....
Dizia, à mamãe bondosa,
Que prosseguia a estudar,
Mas punha-se, em plena rua,
A mentir e perturbar.
Que prosseguia a estudar,
Mas punha-se, em plena rua,
A mentir e perturbar.
Não lhe chegavam agora
As horas grandes do dia.
Depois de fechada a noite,
A endiabrada fugia...
As horas grandes do dia.
Depois de fechada a noite,
A endiabrada fugia...
Aprendeu na malandragem
O furto, o assovio, a vaia;
Em breve tempo, encontrou
Meninos de sua laia.
O furto, o assovio, a vaia;
Em breve tempo, encontrou
Meninos de sua laia.
V - PREGUIÇOSA
Escapulindo ao trabalho,
Expulsa dos bens da escola,
Fazia-se pobrezinha,
Saindo a pedir esmola.
Expulsa dos bens da escola,
Fazia-se pobrezinha,
Saindo a pedir esmola.
Enganava os transeuntes,
Prendendo-lhes a atenção;
Xingava o trabalho sério
E tinha horror ao sabão.
Prendendo-lhes a atenção;
Xingava o trabalho sério
E tinha horror ao sabão.
Como o pássaro ocioso,
Que a todo dia se atrasa,
Maricota Serelepe
Raramente vinha a casa.
Que a todo dia se atrasa,
Maricota Serelepe
Raramente vinha a casa.
A mãe bondosa rogava
Mais cautela, mais juízo,
Mas a menina exclamava:
- De conselhos não preciso!
Mais cautela, mais juízo,
Mas a menina exclamava:
- De conselhos não preciso!
VI - MALDOSA
Atacava os cães amigos
A vozerio e pancadas;
Tratava todo gatinho
A brasa viva ou pedradas.
A vozerio e pancadas;
Tratava todo gatinho
A brasa viva ou pedradas.
Se avistava a palha seca
Da casa dos passarinhos,
Não hesitava um minuto:
Vibrava golpes nos ninhos.
Da casa dos passarinhos,
Não hesitava um minuto:
Vibrava golpes nos ninhos.
Matava filhotes tenros
Com grosseria sem-nome;
Prendia as aves canoras,
Exterminando-as à fome.
Com grosseria sem-nome;
Prendia as aves canoras,
Exterminando-as à fome.
Se passava no terreiro,
A galinhada fugia,
Sabendo que Maricota
Vibrava pancadaria.
A galinhada fugia,
Sabendo que Maricota
Vibrava pancadaria.
VII - DESVIADA
De rua em rua, a esconder-se,
A menina, a passo curto,
Era um demônio pequeno,
Exercitado no furto.
A menina, a passo curto,
Era um demônio pequeno,
Exercitado no furto.
Varando portas estreitas,
Pulando grandes janelas,
Sabia correr dos guardas
E burlar as sentinelas.
Pulando grandes janelas,
Sabia correr dos guardas
E burlar as sentinelas.
Espreitava nas quitandas
O instante exato das vendas,
Para assaltar os meninos
Carregados de encomendas.
O instante exato das vendas,
Para assaltar os meninos
Carregados de encomendas.
Fosse qual fosse o momento,
Horas claras ou sombrias,
Roubava doces, brinquedos,
De lojas e padarias.
Horas claras ou sombrias,
Roubava doces, brinquedos,
De lojas e padarias.
VIII - MORTA
Um dia, furtando jóias,
Maricota teve a mão,
Que se agitava com pressa,
Mordida de escorpião.
Maricota teve a mão,
Que se agitava com pressa,
Mordida de escorpião.
Era o castigo afinal,
À maldade, à rebeldia;
Maricota Serelepe
Caiu em breve agonia.
À maldade, à rebeldia;
Maricota Serelepe
Caiu em breve agonia.
Pilhada por delinqüente,
A menina envenenada
Foi conduzida ao socorro,
Deprimida, envergonhada.
A menina envenenada
Foi conduzida ao socorro,
Deprimida, envergonhada.
Não lhe valeu, todavia,
O tratamento mais forte...
Findo o dia doloroso,
Em ânsias, rendeu-se à morte.
O tratamento mais forte...
Findo o dia doloroso,
Em ânsias, rendeu-se à morte.
IX - AFLITA
Distante do corpo frio,
Maricota, sem repouso,
Notou que a morte era um anjo
De olhar terno e carinhoso...
Maricota, sem repouso,
Notou que a morte era um anjo
De olhar terno e carinhoso...
Ajoelhou-se a coitada,
Chorou e pediu assim:
— Mensageiro da Bondade,
Compadece-te de mim!...
Chorou e pediu assim:
— Mensageiro da Bondade,
Compadece-te de mim!...
— Minha filha — disse ele —,
Desejava auxiliar-te,
Mas, há monstros que te buscam,
Chegando de toda a parte.
Desejava auxiliar-te,
Mas, há monstros que te buscam,
Chegando de toda a parte.
Depois de um minuto longo,
Afirmou, cheio de dor:
— Ah! filha, repara em torno,
Pede o perdão do Senhor.
Afirmou, cheio de dor:
— Ah! filha, repara em torno,
Pede o perdão do Senhor.
X - CASTIGADA
Maricota não mais viu
A luz do emissário santo;
Olhando em redor gritava,
Tomada de enorme espanto.
A luz do emissário santo;
Olhando em redor gritava,
Tomada de enorme espanto.
Buscava correr em vão...
Oh! não, não queria ouvi-los!
Eram serpentes, dragões,
Lagartos e crocodilos.
Oh! não, não queria ouvi-los!
Eram serpentes, dragões,
Lagartos e crocodilos.
Os monstros, porém, chegavam...
Um deles, grande inimigo,
Disse a ela: — "Maricota,
Agora estamos contigo.
Um deles, grande inimigo,
Disse a ela: — "Maricota,
Agora estamos contigo.
Somos filhos da maldade
— Prosseguiu forte e iracundo -,
Do furto e da vadiagem
Que procuravas no mundo".
— Prosseguiu forte e iracundo -,
Do furto e da vadiagem
Que procuravas no mundo".
XI - ATORMENTADA
- Deixem-me, monstros! - pedia
A Pobrezinha, a chorar;
Mas os lagartos e as cobras
Puseram-se a gargalhar.
A Pobrezinha, a chorar;
Mas os lagartos e as cobras
Puseram-se a gargalhar.
- Deixá-la? - disse o maior -
Teu pedido não nos vence,
Tua vida, Maricota,
Desde muito, nos pertence.
Teu pedido não nos vence,
Tua vida, Maricota,
Desde muito, nos pertence.
Ajudamos-te a roubar,
A vadiar, a fingir...
Agora, és nossa, bem nossa,
Não podes escapulir.
A vadiar, a fingir...
Agora, és nossa, bem nossa,
Não podes escapulir.
- Oh! que horror! - disse a infeliz.
Ninguém para consolá-la!...
Pôs-se, lívida, a correr
E os monstros a acompanhá-la...
Ninguém para consolá-la!...
Pôs-se, lívida, a correr
E os monstros a acompanhá-la...
XII - SUPLICANTE
Longos dias, longas noites,
Maricota, em aflição,
Atravessou negros vales,
Gritando e chorando em vão.
Maricota, em aflição,
Atravessou negros vales,
Gritando e chorando em vão.
Precipitou-se em abismos,
Sem esperança e sem paz,
Clamava, seguindo à frente,
E os monstros seguindo atrás...
Sem esperança e sem paz,
Clamava, seguindo à frente,
E os monstros seguindo atrás...
Sentiu sede, sentiu fome,
Na jornada em correria...
Quanto tempo a padecer?
Maricota não sabia...
Na jornada em correria...
Quanto tempo a padecer?
Maricota não sabia...
Depois de muita oração,
Na angústia do cativeiro,
Jesus, o Divino Amigo,
Enviou-lhe um mensageiro.
Na angústia do cativeiro,
Jesus, o Divino Amigo,
Enviou-lhe um mensageiro.
XIII - ANSIOSA
Tão logo veio o emissário
De socorro e salvação,
Os monstros, espavoridos,
Mudaram de direção.
De socorro e salvação,
Os monstros, espavoridos,
Mudaram de direção.
A menina, arrependida,
Ajoelhou-se, entre ais,
E exclamou: Anjo Divino,
Socorro! não posso mais!...
Ajoelhou-se, entre ais,
E exclamou: Anjo Divino,
Socorro! não posso mais!...
Tenho chorado e sofrido,
Atormentada de dor.
Por piedade! Salvai-me!
Dai-me o Céu do Deus de Amor!...
Atormentada de dor.
Por piedade! Salvai-me!
Dai-me o Céu do Deus de Amor!...
Fitando, de olhar dorido,
O azul e estrelado véu,
Suplicava compungida:
- Dai-me a luz da paz do Céu!...
O azul e estrelado véu,
Suplicava compungida:
- Dai-me a luz da paz do Céu!...
XIV - AMPARADA
O Anjo amoroso afagou-a,
Dizendo com caridade:
- Em nome da Providência,
Devolvo- te a liberdade.
Dizendo com caridade:
- Em nome da Providência,
Devolvo- te a liberdade.
Mas, ouve, minha menina:
Se queres luz, agasalho,
Não podes entrar no Céu,
Sem a bênção do trabalho.
Se queres luz, agasalho,
Não podes entrar no Céu,
Sem a bênção do trabalho.
Viveste pela maldade,
Sem respeito, sem carinho,
Não ouviste os bons conselhos,
Fugiste do bom caminho.
Sem respeito, sem carinho,
Não ouviste os bons conselhos,
Fugiste do bom caminho.
Aceitas a corrigenda
Do Pai bondoso e perfeito?
Maricota, ajoelhada,
Em pranto, exclamou: Aceito!
Do Pai bondoso e perfeito?
Maricota, ajoelhada,
Em pranto, exclamou: Aceito!
XV - CORRIGIDA
Foi então que apareceu,
De feia e enorme estatura,
Um zelador de crianças:
O Gigante Mão Segura.
De feia e enorme estatura,
Um zelador de crianças:
O Gigante Mão Segura.
O mensageiro do Cristo
Explicou-lhe: Esta menina
Necessita recolher-se
Aos campos de disciplina.
Explicou-lhe: Esta menina
Necessita recolher-se
Aos campos de disciplina.
Até que se regenere,
Dê-lhe recursos de emenda.
Praticou muita maldade,
Precisa de corrigenda.
Dê-lhe recursos de emenda.
Praticou muita maldade,
Precisa de corrigenda.
Nesse instante, Maricota
Foi levada, em aflição,
Para um campo escuro e triste
De serviço e de prisão.
Foi levada, em aflição,
Para um campo escuro e triste
De serviço e de prisão.
XAVIER, Francisco Cândido. História de Maricota. Pelo Espírito Casimiro Cunha. FEB.
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